O Sal da Língua

Sons organizados de forma a exprimirem uma grande variedade de emoções.

Archive for October, 2007

The cheesy crooner

richardcheese1.jpg

Richard Cheese & Lounge Against The Machine

Richard Cheese é o verdadeiro entertainer. Pegou nos hits de bandas actuais e antigas, temas da televisão e do cinema e transformou-os em momentos de verdadeiro entertenimento lounge. De Madonna a Snoop Dogg, de Depeche Mode a Slipknot. A banda que o acompanha é formada por bons músicos, versáteis ao ponto de acompanharem incessantemente a loucura de Dick ao vivo. Algumas das gravações abaixo são ao vivo, é só ouvir, pasmar, rir, cantar e dançar. A discografia já é razoável e inclui cinco álbuns de “originais”, um best of e um disco de Natal. Em Julho foi editado “Dick at Night”, a gravação mais recente, que inclui apenas temas de genéricos de televisão e cinema. Como bónus, incluo também um conjunto de material não editado oficialmente, sobretudo gravações ao vivo e presenças em programas de televisão e rádio. Uma delícia. E claro, se gostarem da música, passem pelo site do músico ou pelo iTunes para a adquirirem. É que todas as gravações são pagas do bolso do próprio Richard Cheese. Pena é que as digressões não saiam dos casinos e afins norte-americanos. Ou talvez seja aí mesmo só que pertencem. Grande Richard.

lounge.jpg

Lounge Against The Machine (2000)

tux.jpg

Tuxicity (2002)

virgin.jpg

I’d Like a Virgin (2004)

appet.jpg

Aperitif For Destruction (2005)

best1.jpg

The Sunny Side Of The Moon: The Best of Richard Cheese (2006)

silent.jpg

Silent Nightclub (2006)

dick.jpg

Dick at Night (2007)

um.jpg

Unreleased Material

E como não podia deixar de ser, aqui fica, the cheesy crooner himself.

nunoromano

 

 

É o fim

100843.jpg

The Fiery Furnaces, Widow City (2007)

Quando se julgava que pouco mais havia a mudar na música independente, aparece algo assim. Que mais fusões podiam ser inventadas? Que novos estilos estão por aparecer? How twisted can music get? Os The Fiery Furnaces atingiram uma espécie de limite imaginário. Instrumentações sólidas interrompidas sem aviso por riffs sónicos vindos do nada. Melodias vaudeville cortadas por solos de bateria despropositados. E uma voz feminina afinada e competente acompanhada por uma pionola loja dos 300. Distorção, muita distorção. Competência técnica, muita também. Temas que poderiam ser singles de outras bandas são intencionalmente estragados por cortes e contra-cortes. Não sei de ondem vieram nem para onde vão estes tipos. Mas para mim, são o album do ano até agora. Vivam as fornalhas a arder.

nunoromano

Tim Harrington, action hero

letsstayfriends.jpg

Les Savy Fav, Lets Stay Friends (2007)

Uma agradável surpresa. Rock radioactivo e absolutamente in your face. Melódicos o suficiente para obrigarem a várias audições e ao vivo são uma espécie de pândega ambulante. Não se deixem influenciar (ou então deixem…) pelo aspecto Beth Ditto versão masculina do vocalista Tim Harrington. Os tipos são mesmo uns músicos do caraças.

nunoromano

 

Ladies and gentlemen, Mr. Robert Wyatt

001-1.jpg

Robert Wyatt, Comicopera (2007)

Este senhor já cá anda há muito tempo. Fez parte dos Soft Machine nos anos 60 e dos Matching Mole nos anos 70. Apresenta um currículo a solo invejável, que já ultrapassou os trinta anos. Imagino que se chega a uma altura em que já se viu de tudo, já se ouviu de tudo. E aos 62 anos as expectativas em relação ao nosso trabalho já não serão as mesmas. Mas afinal são estes os ingredientes que podem dar origem a algo como Comicopera. É difícil de classificar, já que contém temas próprios, cada qual muito particular, e também versões. A abordagem que Wyatt faz a Stay Tuned de Anja Garbarek é fenomenal. Eis alguém que faz música a sério a brincar. Parabéns Mr. Robert Wyatt.

nunoromano

Música estelar

ac028.jpg

Stars, In our bedroom after the war (2007)

A música dos Stars supreende ao início. Por mais que nos preparemos para algo diferente devido aos rótulos “dream music” ou “dream-pop ensemble” que os perseguem, não há como fugir ao impacto. Isto dá mesmo vontade de nos encostarmos a qualquer lado e fechar os olhos. E que voz feminina deliciosa.

nunoromano

A brava dança dos Heróis do Mar

heroisdomar_03.jpg

A propósito do documentário “Brava Dança“, de José Francisco Pinheiro e Jorge Pereirinha Pires, que passou na última 6ªfeira na RTP2, este post surge na forma de uma viagem no tempo a um pedaço importante da história da música moderna portuguesa, que pertence de pleno direito aos Heróis do Mar. Os Heróis foram pioneiros de muitas formas e este documentário é uma porta aberta, um convite, às novas gerações. O Portugal musical do início dos anos 80 era composto quase exclusivamente por músicos como José Afonso, Sérgio Godinho, e restantes cantautores de esquerda, enquanto que todos os que eram entranhos a este sistema eram olhados com desconfiança. Foi neste meio que surgiram, por exemplo, António Variações (que foi curiosamente produzido por Pedro Aires Magalhões e Carlos Maria Trindade) e, claro, os Heróis do Mar. A forma arrojada como os Heróis surgiram num ambiente pós-PREC com vestimentas militares, a cantar a História de Portugal, a falar de saudade e a romperem ostensivamente com a onda de esquerda da altura está retratada preciosamente no documentário. É óbvio que foram arrasados pela crítica e é preciso explicar que a crítica musical era parte integrante desta espécie de bloqueio a tudo o que não fosse de esquerda. No entanto, fica um pouco por explicar o motivo de a banda ter dado tanta atenção à estética e à mensagem por um lado e assumir uma postura quase naive em relação aos motivos políticos e sociais que os moveram de início. Penso que é óbvio que existe uma atitude contra-corrente que deveria ser assumida sem pudor. E a verdade é que isso não tem mal nenhum nos dias que correm. A história deu-lhes razão. O que fica é a primeira banda portuguesa a aliar preocupações estéticas à mensagem das músicas e a um conceito global de grupo, tudo feito de forma bastante profissional. No início de carreira os concertos dos Heróis eram qualquer coisa de especial e o vídeo de ‘Brava Dança dos Heróis’ (pena não o ter encontrado no YouTube…) mostra quase tudo o que era a banda na altura. À falta do video propriamente dito, deixo uma actuação ao vivo com introdução de Rui Reininho, ao estilo cómico-trágico habitual…

Ao segundo álbum o visual militarista torna-se mais brando e o grupo apresenta-se de forma mais leve, tentando ir ao encontro de mais público, agora que já tinham chamado a atenção, propositadamente ou não, através da polémica. É assim que chegam a ‘Amor’, o primeiro single dançável português. Era a juventude nacional a dançar e a cantar em português nas discotecas da época. Digno de registo.

Foi aqui também que os Heróis caíram na prisão de onde não mais saíram. A estética inicial estava perdida, o esforço da recuperação da temática inicial não foi devidamente feito e a edição de ‘Mãe’ em 83 não é consensual. O conceito estava desfeito e a havia muitas pontas soltas na música dos Heróis. ‘Paixão’ surge nesta altura, na forma do primeiro maxi-single feito em Portugal. É mais um tema dançável, que arrebatou novamente o país e que manteve os Heróis à tona.

As edições de ‘O Rapto’ e ‘Macau’ trouxeram mais alguns singles ao air play nacional, mas as divisões internas acabaram com a banda poucos anos depois. As carreiras a solo de Rui Pregal da Cunha, Carlos Maria Trindade e, sobretudo, Pedro Aires Magalhões são conhecidas. Mas é engraçado como, ao recordar todos estes temas agora, me apercebo que conheço a maioria das letras. Há toda uma geração que começou a ouvir música portuguesa com estes rapazes. São por isso heróis à sua medida.

A ouvir…

herois_do_mar-amor-front.jpg

Heróis do Mar, Amor (2007)

E a ver…

bravadanca_02.jpg

José Francisco Pinheiro e Jorge Pereirinha Pires, Brava Dança (2006)

nunoromano

Polaris 2007

scr002cd.jpg

Patrick Watson, Close to Paradise (2007)

Foi o vencedor improvável do Polaris Music Prize de 2007. Este galardão destaca-se por, habitualmente, não premiar carreiras, mas lançar novos valores canadianos. Tal fica bem demonstrado este ano, já que Watson deixou para trás os The Dears, Arcade Fire, Julie Doiron, Junior Boys e Feist, só para falar nos mais conhecidos. Ah, e o álbum é bom, realmente muito bom. Os canadianos continuam a desbravar novos caminhos para a música alternativa. Aqui fica mais um.

nunoromano

156 bpm, good times galore

“… deixemo-nos de pieguices, nós que, em segredo, as adoramos.”, António Lobo Antunes

Há momentos de êxtase difíceis de explicar, por mais que nos preparemos para eles. E depois fica-se neste impasse de não conseguir encontrar o modo de expressão adequado e de haver uma qualquer força a empurrar-nos para a frente do palco para fazermos uma macaquice qualquer. Algo que mostre que o momento é especial e que acabámos de testemunhar algo único.

Às vezes é possível achar essa forma de expressão numa frase, numa cena de um filme ou numa passagem de um livro. Ou na música, sempre na música. Foi nela que encontrei o conforto melódico e expressivo, uma casa para as emoções do fim da tarde. Assim:

Mellon Collie and the Infinite Sadness: The Smashing Pumpkins
Everyday Is Like Sunday: Morrissey
Anyone Can Play Guitar: Radiohead
The State I Am In: Belle and Sebastian
Ziggy Stardust: Bauhaus
Do You Realize??: The Flaming Lips
The One You Love: Rufus Wainwright
The Certainty of Chance: The Divine Comedy
Le Soleil Est Près de Moi: Air
Fistfull of Love: Antony and the Johnsons
Ocean Of Noise (by Arcade Fire): Calexico
Bachelorette: Björk
Ob-La-Di, Ob-La-Da: The Beatles
Up With People: Lambchop
JCB: Nizlopi
The Times They Are A-Changin: Bob Dylan
Severance: Dead Can Dance
Starálfur: Sigur Rós
Looking for Astronauts: The National
Só Tinha De Ser Com Você: Elis Regina E Tom Jobim
Glory Box: Portishead
Let’s Pretend: Tindersticks
Personal Jesus: Johnny Cash
Summer Days In Bloom: Maximilian Hecker
Inquietação: JP Simões
Who By Fire: Leonard Cohen
Eu E Voce (Me and You): Stan Getz with Astrud Gilberto
O Filho Que Eu Quero Ter: Vinicius de Moraes

nunoromano

In a Bar, Under the Sea, 1996

deus1.jpg

dEUS, In a Bar Under the Sea, 1996

Possivelmente o disco que melhor caracteriza o que foram os dEUS para o rock alternativo. É certo que todas as edições dos dEUS durante a década de 90 foram, de um modo ou de outro, assinaláveis, mas, In a Bar Under the Sea é especial por conseguir reunir aquele que era o espírito europeu continental alternativo, face ao rock mais “sujo” que vinha dos EUA e do pop rock britânico globalizante. Os dEUS emprestaram o glamour e a postura europeia. Assistir a um concerto da banda nos anos 90 era estar perante uma banda “a sério”. Foi na Bélgica, centro da Europa, que surgiu aquilo a que podemos chamar rock europeu na sua melhor forma. Os dEUS eram um conjunto de muitas tendências diferentes, sóbrios e serenos por um lado (característica que se destaca naquilo que a banda é hoje em dia), mas nómadas e circenses por outro (faceta que se pode encontrar nos Zita Swoon da actualidade). Há músicas intemporais e, após uma análise atenta, estão aqui praticamente todos os momentos altos da banda.

nunoromano

Different Class, 1995

 

s143.jpg

Pulp, Different Class, 1995

A banda que melhor soube caricaturar a classe média-baixa da Inglaterra dos anos 80 e 90. Vícios e virtudes, mas sobretudo vícios, estão hilariantemente escarrapachados em Different Class. Jarvis Cocker tornou-se um ícone nacional e os ingleses tiveram o fair play de o aceitar, bem como à sua visão humorística, mas também sofrida, da nação. Experiências pessoais misturam-se com retratos sociais mais ou menos velados que levaram os Pulp ao topo e aos tops. Common People é, musicalmente, o instant classic típico, retrato da classe média feito por alguém das classes altas. Análise incompreensível da vida que, afinal, todos levamos ainda um pouco. Ao cantá-la estamos a rirmo-nos de nós próprios e é isso que é delicioso nos Pulp. A solo, Jarvis ainda mantém esta postura (mais que o último registo dos Pulp) e trata-se, por isso, de uma carreira a seguir.

nunoromano

You Are The Quarry, 2004

morrissey_youarethequarry.jpg

Morrissey, You Are The Quarry, 2004

Disco que marcou o regresso de Morrissey à gravação de originais e que o retirou do exílio auto-imposto na costa oeste dos Estados Unidos. Durante os anos 90, Morrissey assistiu silenciosamente, e à distância a que os media o colocaram de todas as next big things fabricadas, à transformação musical que seria inevitável e que se sucedeu ao reinado dos The Smiths nos anos 80. Talvez por culpa dos excessos ou talvez pela forma feia como os The Smiths terminaram, Morrissey, do alto do seu inigualável ego, rendeu-se a um silêncio esfíngico que era parte despeito, parte amuo. Foram precisos sete anos para o voltar a colocar num estúdio a gravar temas originais. You Are The Quarry é belo e agressivo ao mesmo tempo. Há muito rancor e muita revolta nas letras, mas a melancolia única dos The Smiths está lá toda. Trata-se de um disco portentoso que surpreendeu tudo e todos em 2004. Ninguém estava preparado para algo assim e foi difícil incluir Morrissey e toda a carga emotiva que ele próprio enquanto personagem e a sua música acarretam na evolução musical do início do milénio. Na era da Internet e das estrelas instantâneas aparece uma relíquia dos anos 80 a gravar algo assim.

nunoromano